Algumas pessoas possuem a enorme capacidade de enfrentar adversidades, conflitos e traumas e sair deles recuperados. A esta capacidade se dá o nome de resiliência. Esse conceito veio da física e significa “a capacidade dos materiais de voltar à sua forma, quando são forçados a se deformar[1]”.
A proposta da resiliência consiste em enfocar e destacar recursos das pessoas e grupos sociais para seguirem em frente – uma perspectiva que desestabiliza algumas das teorias tradicionais da psicologia, que costumam enfatizar as enfermidades e o que está errado. O uso da metáfora da resiliência, nesse sentido, permite identificar os recursos de enfrentamento usados por indivíduos e comunidades para melhorarem suas condições de vida, mesmo que em circunstâncias ameaçadoras[2].
Na mediação de conflitos, a ideia de resiliência torna-se clara em razão do caráter prospectivo do seu procedimento, isto é, nesse meio não adversarial de tratamento de controvérsias, não se discutem fundamentos jurídicos, provas ou depoimento de testemunhas, tampouco abre-se espaço para o estabelecimento de culpa entre as partes. Com isso, estimulam-se os envolvidos a se concentrarem na busca de soluções para suas situações de insatisfação, com enfoque no futuro.
Desse modo, a mediação propõe ser diferente do objetivo buscado no processo judicial, que culmina com a imposição de um veredito às partes. A técnica da mediação volta seu olhar para soluções que atendam plenamente os interesses reais dos envolvidos, porquanto sua finalidade é apaziguar a lide sociológica composta de sentimentos, interesses e questões jurídicas. Nesse caminho, indispensável que o mediador estimule o seguir em frente entre os mediados, no que pode se afirmar, portanto, que a mediação promove a resiliência.
As ferramentas[3] para gerar mudanças possuem um lugar de destaque na mediação, pois são voltadas à demonstração da importância da construção do futuro entre os participantes. Ou seja, a resiliência pode ser incentivada pelo uso desses mecanismos, na qual se destaca o denominado “enfoque prospectivo”. Segundo o Manual de Mediação do Conselho Nacional de Justiça:
Enfocar no futuro é uma técnica que pode ser utilizada com dois objetivos. O primeiro seria aliviar o clima de atribuição de culpa, deixando de analisar como as questões problemáticas aconteceram no passado, e passando a analisar como a situação será resolvida de modo positivo. O segundo seria o de estimular uma parte a buscar uma solução. Nesse sentido, um exemplo de intervenção do mediador seria: “Tendo em vista que vocês sempre tiveram um bom relacionamento comercial, como você imagina que, como prestador de serviços, poderia evitar que uma situação como essa seja repetida em casos futuros?[4]
Utilizando a técnica do rapport na sessão de mediação, com vistas a estabelecer uma relação de confiança com os envolvidos, o terceiro imparcial estimulará os mediados para que se abram e percebam a necessidade de agirem cooperativamente e de ouvirem ativa e atentamente, em busca de opções possíveis para suas querelas.
Nesses termos, é importante a postura de perseverar, para que as partes não se sintam oprimidas pelas diferenças. Daí decorre o importante papel do mediador de conflitos. Ressalte-se que o sucesso da mediação depende, em grande parte, da perícia e habilidade do facilitador, cuja principal função é identificar a lide sociológica, separando os sentimentos, questões jurídicas e interesses, para estimular e favorecer o diálogo e o entendimento das partes em prol do futuro.
Além disso, a mediação ajuda a trabalhar habilidades que muitas vezes são desconhecidas, bem como revelar as forças internas para o enfrentamento dos conflitos e das controvérsias da vida, mostrando que é mais do que um simples mecanismo de solucionar conflitos; é também um caminho possível para fazer as pessoas perceberem que as encruzilhadas e adversidades são inevitáveis, mas que podem sair recuperadas delas, seguindo em frente. Afinal, como diz o famoso provérbio africano “árvore que enverga o vento não quebra”.
Notas e Referências:
[1] MELLILO, Aldo; SUÁRES OJEDA, Élbio Nestor (ORG). Resiliência: descobrindo as próprias fortalezas. Porto Alegre: Artmed, 2005, p.79.
[2] MELLILO, Aldo; SUÁRES OJEDA, 2005, p. 80.
[3] O Manual de Mediação Judicial do Conselho Nacional de Justiça explica detidamente o uso de 12 ferramentas e como elas podem gerar mudanças no comportamento das partes.
[4] CONSELHO NACIONAL JUSTIÇA. Manual de Mediação, 2009.
MELLILO, Aldo; SUÁRES OJEDA. Élbio Nestor (ORG). Resiliência: descobrindo as próprias fortalezas. Porto Alegre: Artmed, 2005.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ. Manual de Mediação de Conflitos, 2009.
Por Juliana Ribeiro Goulart, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS. Mestranda em Teoria e História no Direito (UFSC). Tem experiência na área da advocacia, com ênfase em Direito Processual, área em que é especialista pelo CESUSC. Atualmente ocupa o cargo de Assistente Jurídica da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina e é pesquisadora na área da Mediação de conflitos. E Jéssica Gonçalves, Graduada em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Formada pela Escola da Magistratura do Estado de Santa Catarina. Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Regional de Blumenau – FURB. Pós-Graduada em Direito Aplicado pela Universidade Regional de Blumenau – FURB. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
Fonte: Empório do Direito – 18/02/2017
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